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O crime de stalking e a violência contra a mulher

Diariamente, muitas mulheres, são submetidas a alguma forma de violência. A discriminação da condição feminina é causa geradora de desigualdades e serve de base para muitas formas de violência, sejam elas físicas, psicológicas, morais, sexuais ou patrimoniais.

Assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros ou familiares, perseguição, feminicídio, são todos exemplos de tipos de violência contra as mulheres que acontecem repetidamente, em todos os lugares do mundo.

A colocação da mulher em condição de subjugação ou subordinação acabou por acarretar uma aceitação social da violência de gênero, principalmente quando tratado no âmbito doméstico. Assim, tem-se a necessidade de criminalização de condutas que atentem contra a liberdade, intimidade e a dignidade das mulheres.

Superar a violência contra as mulheres é um dos maiores desafios impostos ao Estado e ao ordenamento jurídico atualmente. Nesse sentido, recentemente o Código Penal recebeu novo artigo por meio da Lei n. 14.132, de 31 de março de 2021, que inseriu o artigo 147- A, tipificando o crime de perseguição, conhecido internacionalmente com o termo em inglês stalking.

Segue a transcrição do dispositivo acima citado.

Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

  • 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – Contra criança, adolescente ou idoso;

II – Contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

  • 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
  • 3º Somente se procede mediante representação.”

A palavra stalking, em inglês, significa perseguição e, apesar de abranger condutas bastante variadas, de acordo com o entendimento do artigo acima citado, consiste resumidamente na perseguição reiterada e invasão da esfera de privacidade da vítima através de diversificados meios, sejam eles presenciais ou virtuais, como ligações, mensagens, recados ou curtidas excessivas em redes sociais, permanência na saída do trabalho, escola, casa, locais de lazer, monitoramento de GPS, dentre outras práticas.

Em que pese ser um crime em que, em tese, qualquer pessoa possa figurar como vítima, sabe-se que a mulher acaba sendo o principal alvo dos perseguidores, que podem ser, por exemplo, ex-companheiros, maridos e namorados.  A perseguição contumaz afasta da vítima a liberdade de ir e vir, retirando-lhe um direito fundamental e basilar: a liberdade.

Dados apresentados por Marcos Augusto Brandalise, promotor de justiça de SC, mostram que: “76% das vítimas de feminicídio foram perseguidas por seus parceiros íntimos, sendo que 54% das vítimas reportaram à polícia estarem sendo “stalkeadas” antes de serem assassinadas por seus perseguidores”.

Nesse sentido, ainda que a Lei seja recente, alguns Tribunais já decidiram de forma favorável à vítima, como por exemplo, no caso transcrito abaixo:

“PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 14.132/2021. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVADAS. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DANO MORAL. QUANTUM. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Em 1º de abril de 2021, foi publicada e entrou em vigor a Lei nº 14.132/2021, que acrescentou o art. 147-A ao Código Penal, tipificando o crime de perseguição, bem como revogou expressamente o art. 65 da Lei das Contravenções Penais, que previa o ilícito de perturbação da tranquilidade. 1.1 Entretanto, a revogação do art. 65 da LCP não equivale à abolitio criminis, sendo imprescindível a análise concreta da conduta do agente, a fim de avaliar se se adequa ao novo tipo penal, hipótese em que deve ser aplicado o princípio da continuidade normativo-típica e a ultratividade da lei penal mais benéfica. 2. Nos delitos cometidos em cenário de violência doméstica e familiar, a palavra da vítima apresenta especial relevo, mormente, quando em consonância com outros elementos de convicção. 2.1. Comprovada a materialidade e autoria da contravenção penal de perturbação da tranquilidade imputada ao réu contra sua ex-namorada e verificado que as ações configuram, em tese, o delito do art. 147-A do Código Penal, a condenação é medida que se impõe. 3. O dano moral sofrido pela vítima de violência doméstica é presumido, e a fixação do quantum deverá observar a gravidade do delito praticado pelo ofensor, a intensidade do sofrimento padecido pela vítima e a condição econômica dos envolvidos. 3.1. Ausente informação sobre a condição econômica ostentada pelo recorrente e verificado que a contravenção penal não se revestiu de especial gravidade, a minoração da reparação de danos e revela adequada. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido. Redução dos danos morais.

(TJ-DF 07075802520208070016 DF 0707580-25.2020.8.07.0016, Relator: CARLOS PIRES SOARES NETO, Data de Julgamento: 10/06/2021, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe : 21/06/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.”.

Sabe-se que a violência contra a mulher é prática historicamente reiterada e ligada a um sistema de subordinação que determina os papéis dos sexos feminino e masculino na sociedade, a partir de subjetividades e comportamentos que devem ser obedecidos e que se alicerçaram em discursos essencialistas. Consequentemente, este modelo social impôs às mulheres a condição de inferioridade em relação aos homens e a violência, que está longe de ser erradicada.

No entanto, a tipificação penal do crime de perseguição ou stalking é de extrema importância e pode ser considerada um considerável avanço no rol de instrumentos jurídicos de proteção das mulheres no Brasil, afinal, toda mulher tem o direito de viver livre de qualquer violência.

 

Flávia Costa Monteiro OAB/SP nº 397.954

 

Referência:

BRANDALISE, Marcos Augusto. Crime de perseguição/stalking: Lei 14.132/21. Acesso em 03 dezembro de 2021. Disponível em https://marcosaugustobrandalise.jusbrasil.com.br /artigos/1199522554/crime-de-perseguicao-stalking-lei-14132-21?utm_medium=social&utm _campaign=link_share&utm_source=Facebook&fbclid=IwAR1Fxaa5ZbNE8at4QGb3qW5VBFbEYOKr1i5Bb8QHf6_GQKuhzaklyrO

 

 

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