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Responsabilidade solidária de empresa do mesmo grupo econômico – potencial alteração jurisprudencial

Decisão do Ministro Gilmar Mendes do STF reabre discussão jurisprudencial acerca do momento oportuno para responsabilização de empresa do mesmo grupo econômico

Há cerca de 18 anos, o TST cancelou os efeitos da Súmula 205, que regulava questão processual fundamental para responsabilização solidária de empresa integrante de grupo econômico, priorizando a efetividade das execuções, em detrimento aos aspectos formais garantidores da ampla defesa e devido processo legal.

Enquanto vigente a Súmula 205, as empresas integrantes do grupo econômico não poderiam ser responsabilizadas na fase de execução, pois não participaram de toda relação processual, não exerceram todos os meios de defesa constitucionalmente previstos, tampouco constavam expressamente no título executivo.

Como se sabe, o objetivo da criação das súmulas de jurisprudência no direito processual brasileiro é reduzir os inúmeros recursos pendentes nos tribunais já sobrecarregados, por meio da consolidação de reiteradas decisões no âmbito de cada tribunal, a respeito de matérias de direito material ou processual, para nortear a aplicação dos precedentes, gerando economia processual, maior efetividade da jurisdição e mais segurança jurídica ao garantir previsibilidade e equanimidade dos julgamentos que ocorrem no Judiciário.

O cancelamento (e não alteração da redação) de súmula de jurisprudência só pode ser entendido como inverso do objetivo dos Tribunais Superiores, ou seja, o reconhecimento expresso acerca da ausência de uniformização de entendimento sobre a matéria. O resultado, obviamente, também será o inverso daquilo que era originalmente esperado, como por exemplo, admitir julgamentos desiguais em situações iguais, o que traz sensação de injustiça aos jurisdicionados e acumula nos Tribunais Superiores uma infinidade de recursos, o que por si só gera inevitável insegurança jurídica.

O resultado do cancelamento da Súmula 205 do TST é absolutamente previsível àqueles que operam no dia a dia na Justiça do Trabalho. Em termos práticos, juízes de primeiro grau, competentes para presidir a execução dos títulos executivos e responsáveis por dar efetividade aos processos de execução, aplicam entendimento diverso daquele originalmente previsto pela Súmula 205 do TST, incluindo empresas que, supostamente, são integrantes do mesmo grupo econômico, na fase de execução, sem qualquer oportunidade de concessão de dilação probatória.

Nesta sistemática, compete apenas ao exequente indicar uma empresa estranha à relação processual, com algum grau de relação com o “devedor original” para obter a inclusão desse “novo devedor” no polo passivo como integrante do grupo econômico, e, portanto, devedor solidário, que na maioria das vezes são chamadas apenas para responder pelo pagamento do débito.

Na falta de um rito processual adequado para garantia do direito à defesa da nova empresa incluída, resta ao procurador do executado pelejar para arguir a matéria de defesa adequada, uma vez que pode ser exigido que o “novo devedor” disponha de seus bens em garantia para poder apresentar defesa “adequada” em sede embargos à execução, o que na área trabalhista pressupõe o requisito da garantia do juízo.

Essa sistemática é cruel ao “novo devedor” (aquele incluído no polo passivo na fase de execução ao fundamento de pertencer ao grupo econômico do devedor principal), uma vez que não há rito processual apropriado na CLT, tampouco jurisprudência uniforme que lhe garanta possibilidades de ampla defesa, inclusive, dilação probatória, ou medida que lhe possibilite não dispor de seus bens como pressuposto para exercício do direito à defesa e ao processo legal.

A título exemplificativo, não é possível garantir ao novo devedor a possibilidade de se defender por meio de exceção de pré-executividade, medida cuja admissibilidade fica a critério de cada magistrado, pois tal instrumento não se encontra positivada em nosso ordenamento jurídico. Ou ainda, garantir a possibilidade de ter a ampla defesa assegurada via “embargos de terceiro”, pois a jurisprudência também não é uniforme acerca da legitimidade processual desse “novo devedor” figurar como “terceiro”, uma vez que já foi incluído na execução e, portanto, se tornou parte.

A discussão jurisprudencial poderia se tornar desnecessária se observado o art. 769 da CLT, que prevê a aplicação do Código de Processo Civil em caso de omissão da norma celetista, como no caso em análise. Isto porque, a atual redação do art. 513, § 5º dispõe que o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”.

Invocando a aplicação do art. 513 do CPC (2015), o Ministro Gilmar Mendes, relator do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1160361/SP, proferiu decisão monocrática em 10 de setembro de 2021, cassando decisão do TST que autorizava a inclusão de empresa (supostamente integrante do mesmo grupo econômico) na fase de execução, reconhecendo erro de procedimento na ação e determinando nova análise da questão abordada pelo TST, antes do STF proferir julgamento definitivo sobre o tema.

A decisão do ministro Gilmar Mendes impõe aos operadores do direito e, principalmente, aos julgadores de todas as instâncias da Justiça do Trabalho, repensar toda a sistemática aqui abordada, em especial, considerando o novo preceito trazido pela Reforma Trabalhista para configuração do grupo econômico empresarial (Art. 2º, § 2º e 3º da CLT – Lei 13.467/2017), que ainda é tema de amplo debate e, em muitos casos, exige dilação probatória.

Alternativamente, o próprio legislador poderia sanar essa questão, a exemplo do que ocorreu com a recente introdução do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na CLT (art. 855-A), possibilitando instaurar incidente processual de inclusão de empresa integrante do grupo econômico, antes de efetivamente incluir uma determinada empresa na execução trabalhista, visando a apurar as responsabilidades entre as empresas e se, de fato, são pertencentes ao mesmo grupo econômico.

A própria efetividade da execução trabalhista exige que o processo seja previsível e as questões processuais pacificadas, de forma a evitar infindáveis recursos. Contudo, é absolutamente necessário garantir que todos os sujeitos incluídos no polo passivo da ação tenham acesso à ampla defesa, contraditório, assegurando todos os meios inerentes ao devido processo legal, inclusive, dilação probatória, tal como assegurado pela Constituição.

Rafael Jorge da Silva – OAB/SP nº 363.228

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